Novos Instrumentos de Marketing no Agronegócio


30-06-2002 

O PARADOXO GLOBAL

Apesar do destaque dado à obra Paradoxo Global1 de John Naisbitt, o Prof. Milton Santos2 , bem antes, quando cunhou o termo "economia informal", hoje usado em todo o mundo, já dizia que à medida que a economia ia se globalizando e que os produtos adquiriam padrões mundiais, a produção regional ganharia destaque. O importante é o "lugar", dizia o Professor, para destacar que não vivemos no país ou no planeta. O que realmente conta é o lugar. E, à medida que o mundo se globaliza, as pequenas empresas e os produtos regionais tornam-se mais importantes. As grandes corporações fogem deste conceito. Conseguiram neutralizar o movimento que pregava que "o pequeno é belo", mostrando que as pequenas organizações eram mais importantes para a economia em todas os itens analisados. Rentabilidade, gestão ambiental, relacionamento com consumidor etc. Sabemos que as pequenas empresas são as que mais empregam mão de obra. São também responsáveis por garantir a estabilidade do mercado, pois, por serem muitas, a livre concorrência manifesta-se com mais facilidade, sendo difícil a formação de monopólios ou oligopólios responsáveis por grandes distorções no mercado.

CERTIFICAÇÃO DE ORIGEM

Segundo Vera Thorstensen, diplomata brasileira e assessora econômica da Missão do Brasil junto às Organizações Internacionais em Genebra, "a questão de regra de origem é fundamental. Ela pode gerar desvio de comércio, deslocar empresas e investimentos, com transferência de local de linhas de produção".
A volta ao protecionismo, que num período relativamente curto foi abominado pelas economias ricas, tem prejudicado sobremaneira os países em desenvolvimento. Numa primeira fase, os estragos maiores ocorrem na produção primária, principalmente nas commodities. Astúcias como os subsídios, simples para economias ricas e praticamente impossíveis para países pobres, provocam distorções no mercado tornando-o refém de novos artifícios que, por sua vez, vão ampliar as diferenças a favor dos países desenvolvidos. Um cruel círculo vicioso.
As regras de origem são instrumentos essenciais para caracterizar produtos através da sua identificação geográfica. Cerca de 150 itens são objeto de discussão quanto às regras de origem. Este será o mecanismo pelo qual poderemos distinguir nossos produtos dos concorrentes. A similaridade passa a ser estranha, quando admitimos uma certificação de origem. Como poderá existir um "queijo de minas", com certificado de origem, que não seja em Minas Gerais? Mesmo assim, Vera Thorstensen alerta para que sejamos mais atuantes na OMC, pois os conceitos de regras de origem podem variar de acordo com o produto. Um exemplo real é o que está acontecendo com o café. Países exportadores de café processado, mas não produtores de café em grão, como Áustria, Itália e Alemanha, lutam para definir regra de origem "a partir do local onde é feito o ´blend´ do produto". Nossos investimentos nas marcas de origem, como "Café do Cerrado", "Café das Montanhas de Minas" etc., ficariam comprometidos ou não causariam o mesmo impacto.
1 - O Paradoxo Global, segundo Naisbitt: "Quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores".
2- Milton Almeida dos Santos (1926-2001) - doutor em geografia pela Universidade de Estrasburgo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, recebeu em 1994 o Prêmio Vautrin Lud, equivalente a um Nobel de Geografia. Escreveu 40 livros e era consultor da Organização das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho e da Organização dos Estados Americanos.

A CACHAÇA DE ALAMBIQUE, BEBIDA MUNDIAL DO BRASIL.

Apoiados nos conceitos vistos usaremos algumas regras básicas de marketing e comércio internacional para sedimentar nosso argumento.
O termo cachaça, hoje atribuído à antiga aguardente de cana, vai caracterizar uma bebida standard. Produzida em altos volumes poderá ter preço menor e será dirigida a grandes segmentos de mercado, em várias partes do mundo. A conquista do termo "cachaça" foi uma grande vitória dos grandes produtores de aguardente de cana. Para concorrer neste mercado são necessários altos recursos financeiros e amplas estruturas de produção e marketing, além de cuidados na elaboração do produto, no sentido de manter o mesmo padrão para grandes volumes. Hoje temos algumas empresas no mercado que têm correspondido a estas expectativas e exportado enormes quantidades da bebida.
Por outro lado, um vasto número de pequenos produtores de cachaça artesanal, isto é, cujos processos de produção seguem ritos centenários e conseguem produzir bebidas distintas quanto a paladar e outras características organolépticas, estão passando por dificuldades na comercialização de seu produto.
E chegamos ao âmago da questão. A importância do papel do Estado na procura de alternativas para um representativo conjunto de cidadãos, produtores de cachaça, competentes em sua atividade, geradores de emprego e renda, potencialmente grandes pagadores de impostos e geradores de divisas para o país. O que deve ser feito?
Possibilitar que os produtores de cachaça de alambique tenham amparo legal na distinção de seu produto. Assim, enquanto os grandes produtores continuarão atendendo enormes segmentos do mercado mundial, o produtor de cachaça de alambique atuará em nichos do mercado, desejosos de uma bebida mais personalizada, cheia de casos e histórias, com espírito de artesão e levando o sol, clima, solo e alma do Brasil para outros países, além, é claro, do nosso imenso mercado interno. Basicamente, suporte legal para disputar, interna e externamente, com outros tipos de bebidas, diferentes de sua produção artesanal, mas concorrentes de peso.
O MAPA demonstrou que deseja apoiar este produtor rural quando aceitou elaborar Portaria permitindo que produtores rurais de cachaça, desde que organizados em Cooperativas, possam ser dispensados da obrigação do registro de firma comercial. A importância social e econômica deste ato é enorme, trazendo para a atividade econômica, milhares de produtores hoje, à margem da lei, produzindo e comercializando sem recolher tributos, sem fiscalização, sendo um risco para a saúde e o meio ambiente.
Temos certeza que o mercado da cachaça de alambique será um delta, a mais, no mercado da cachaça, permitindo que outro tipo de consumidor possa ter acesso a uma bebida diferente, com outras formas de marketing e abordagem do consumidor.

Marcos Garcia Jansen
Diretor de Política Agrícola - SEAPA
Fonte: http://www.agronline.com.br

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