Marketing do Agronegócio III - Uma Nova Roupagem


29-08-2003 

INTRODUÇÃO


O produtor rural, até então visto como o "patinho feio" da sociedade, apesar de cisne na economia, é hoje considerado o guardião da natureza, em outras palavras, quem preserva a vida no planeta. Será que esta mesma sociedade que marginalizou o homem do campo terá outra visão agora? Já temos juízo para mudar nossa postura...
Este desbravador de colheitas, amansador de animais, pastor de alimentos e gerador de riquezas tem se modernizado em todos os sentidos. As queimas de madeiras e utilização irresponsável de agrotóxicos foram causadas por desconhecimento das conseqüências. Hoje, quando acontecem, são exceções, como o policial bandido e o juiz corrupto. Exceções.
Como a natureza é sábia, mais uma razão para ser respeitada, está conduzindo a sociedade, gentilmente, no sentido de resolver dois cruéis problemas: distribuir melhor a renda e preservar a saúde dos homens. Isto está acontecendo em múltiplas regiões, com diversos produtos e de muitas maneiras. Vamos nos ater, neste universo, a um produto e uma região. Vamos falar sobre a cachaça artesanal de alambique, no Estado de Minas Gerais. Temos a região, o produto e a elaboração artesanal.
A Secretaria de Agricultura de Minas Gerais criou um Programa que tem por missão apoiar a produção da Cachaça Artesanal de Minas. Através de Decreto foi estabelecido o padrão de identidade e as características do processo de elaboração da Cachaça Artesanal de Minas, tais como as normas gerais de registro, padronização, classificação, delimitação e denominação de origem, de inspeção e fiscalização da produção e do comércio da Cachaça Artesanal de Minas. Isto caiu do céu? Definitivamente não. Foi decorrente da procura de alternativas de pequenos produtores, do novo papel do governo que, além de fomentar a produção deve zelar pelo cidadão como consumidor.
A Presidência do PróCachaça é exercida, neste momento, pelo Secretário de Agricultura que apóia, através da Secretaria e suas vinculadas, todas as ações, públicas e privadas, que possam contribuir para o desenvolvimento deste setor produtivo.
São diversos os argumentos, números concretos, que justificam tais medidas. Vamos dizer somente que, em Minas Gerais são mais de 8.000 estabelecimentos produzindo cachaça e que, a grande maioria destes estabelecimentos são de pequenos produtores rurais que, assim, complementam sua renda. Mais, são quase todos invisíveis para a arrecadação e para os serviços de vigilância sanitária, isto é, não pagam impostos e podem produzir uma poção prejudicial à saúde do consumidor.
Esta realidade, não só em Minas, mas em diversos Estados brasileiros, resulta em risco para o consumidor ao utilizar produto com características desconhecidas evasão fiscal e marginalização econômica de quase todo o setor e descrédito no poder público que ignora atividade tão representativa.
Vamos considerar as possibilidades que advirão da organização da produção de cachaça, nos atendo, sobretudo, no seu desenvolvimento, tanto interna como externamente.
Para não sermos omissos e procurando não ser exaustivo, destacaremos dois aspectos onde a cachaça já é expressiva e poderá ser destaque mundial. Usaremos argumentos do Prof. Milton Santos1 , considerado "cidadão do mundo", apesar de pouco conhecido entre nós. Vamos nos apoiar também na especialista em negociação internacional e assessora econômica do Brasil junto às organizações internacionais na Suíça, a diplomata Vera Thorstensen.
1 - Milton Almeida dos Santos (1926-2001) - doutor em geografia pela Universidade de Estrasburgo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, recebeu em 1994 o Prêmio Vautrin Lud, equivalente a um Nobel de Geografia. Escreveu 40 livros e era consultor da Organização das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho e da Organização dos Estados Americanos.

A CACHAÇA ARTESANAL, BEBIDA MUNDIAL DO BRASIL

O PARADOXO GLOBAL

Apesar do destaque dado à obra Paradoxo Global2 de John Naisbitt, o Prof. Milton Santos, bem antes, quando cunhou o termo "economia informal", hoje usado em todo o mundo, já dizia que à medida que a economia ia se globalizando e que os produtos adquiriam padrões mundiais, a produção regional ganharia destaque. O importante é o "lugar", dizia o Professor para destacar que não vivemos no país ou no planeta. O que realmente conta é o lugar. E, à medida que o mundo se globaliza, as pequenas empresas e os produtos regionais tornam-se mais importantes. As grandes corporações fogem deste conceito. Conseguiram neutralizar o movimento que pregava que "o pequeno é belo", mostrando que as pequenas organizações eram mais importantes para a economia, em todas os itens analisados. Rentabilidade, gestão ambiental, relacionamento com consumidor etc. Sabemos que as pequenas empresas são as que mais empregam mão de obra. São também responsáveis por garantir a estabilidade do mercado, pois, por serem muitas, a livre concorrência manifesta-se com mais facilidade, sendo difícil a formação de monopólios ou oligopólios responsáveis por grandes distorções no mercado.
CERTIFICAÇÃO DE ORIGEM
Segundo Vera Thorstensen, diplomata brasileira e assessora econômica da Missão do Brasil junto às Organizações Internacionais em Genebra, "a questão de regra de origem é fundamental. Ela pode gerar desvio de comércio, deslocar empresas e investimentos, com transferência de local de linhas de produção".
A volta ao protecionismo, que num período relativamente curto foi abominado pelas economias ricas, tem prejudicado sobremaneira os países em desenvolvimento. Numa primeira fase, os estragos maiores ocorrem na produção primária, principalmente nas commodities. Artifícios como os subsídios, simples para economias ricas e praticamente impossíveis para países pobres, provocam distorções no mercado tornando-o refém de novos artifícios que, por sua vez, vão ampliar as diferenças a favor dos países desenvolvidos. Um cruel círculo vicioso.
As regras de origem são instrumentos essenciais para caracterizar produtos através da sua identificação geográfica. Cerca de 150 itens são objeto de discussão quanto às regras de origem. Este será o mecanismo pelo qual poderemos distinguir nossos produtos dos concorrentes. A similaridade passa a ser estranha, quando admitimos uma certificação de origem. Como poderá existir um "queijo de minas", com certificado de origem, que não seja em Minas Gerais? Mesmo assim, Vera Thorstensen alerta para que sejamos mais atuantes na OMC, pois os conceitos de regras de origem podem variar de acordo com o produto. Um exemplo real é o que está acontecendo com o café. Países exportadores de café processado, mas não produtores de café em grão, como Áustria e Alemanha, lutam para definir regra de origem "a partir do local onde é feito o ´blend´ do produto". Nossos investimentos nas marcas de origem, como "Café do Cerrado", "Café das Montanhas de Minas" etc., ficariam comprometidos ou não causariam o mesmo impacto.
2 - O Paradoxo Global, segundo Naisbitt: "Quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores".

A CACHAÇA DE ALAMBIQUE, BEBIDA MUNDIAL DO BRASIL.

Apoiados nos conceitos vistos usaremos algumas regras básicas de marketing e comércio internacional para sedimentar nosso argumento.
O termo cachaça, hoje atribuído à antiga aguardente de cana, vai caracterizar uma bebida standard. Produzida em altos volumes poderá ter preço menor e será dirigida a grandes segmentos de mercado, em várias partes do mundo. A conquista do termo "cachaça" foi uma grande vitória dos grandes produtores de aguardente de cana. Para concorrer neste mercado são necessários altos recursos financeiros e amplas estruturas de produção e marketing, além de cuidados na elaboração do produto, no sentido de manter o mesmo padrão para grandes volumes. Hoje temos algumas empresas no mercado que têm correspondido a estas expectativas e exportado enormes quantidades da bebida. Este assunto já está bem encaminhado.
Por outro lado, um vasto número de pequenos produtores de cachaça artesanal, isto é, cujos processos de produção seguem ritos centenários e conseguem produzir bebidas distintas quanto a paladar e outras características organolépticas, estão passando por dificuldades na comercialização de seu produto.
E chegamos ao âmago da questão. A importância do papel do Estado na procura de alternativas para um representativo conjunto de cidadãos, produtores de cachaça, competentes em sua atividade, geradores de emprego e renda, potencialmente grandes pagadores de impostos e geradores de divisas para o país. O que deve ser feito?
Possibilitar que os produtores de cachaça de alambique tenham amparo legal na distinção de seu produto. Assim, enquanto os grandes produtores continuarão atendendo enormes segmentos do mercado mundial, o produtor de cachaça de alambique atuará em nichos do mercado, desejosos de uma bebida mais personalizada, cheia de casos e histórias, com espírito de artesão e levando o sol, clima, solo e alma do Brasil para outros países, além, é claro, do nosso imenso mercado interno.
Basicamente, suporte legal para disputar, interna e externamente, com outros tipos de bebidas, diferentes de sua produção artesanal, mas concorrentes de peso.
O MAPA demonstrou que deseja apoiar este produtor rural quando aceitou elaborar Portaria permitindo que produtores rurais de cachaça, desde que organizados em Cooperativas, possam ser dispensados da obrigação do registro de firma comercial. A importância social e econômica deste ato é enorme, trazendo para a atividade econômica, milhares de produtores hoje, à margem da lei, produzindo e comercializando sem recolher tributos, sem fiscalização sendo um risco para a saúde e o meio ambiente.
Temos certeza que o mercado da cachaça de alambique será um delta, a mais, no mercado da cachaça, permitindo que outro tipo de consumidor possa ter acesso a uma bebida diferente, com outras formas de marketing e abordagem do consumidor.

Marcos Garcia Jansen
Diretor de Política Agrícola – SEAPA
Fonte: http://www.agronline.com.br

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